Archive for março \21\+03:30 2011

Articles

20 de março: onde você esteve?

In Uncategorized on 21 de março de 2011 por Ramiro Breitbach

Hoje, 20 de março, no Brasil, é o dia do GRANDE discurso de Barck Obama ao “povo brasileiro” no teatro municipal. Qual o “povo brasileiro” que vai estar dentro do Teatro Municipal e entende um discurso em inglês não é assunto para agora. Na Líbia, é o primeiro dia de ataques da tal da coalizão que pretende proteger o povo líbio do Kadafi e chegou atirando bomba de forma não muito cirúrgica. No Japão, é dia de tentar acalmar o reator nuclear e tirar do mercado o leite e o espinafre radioativo, ainda que alguns tenham defendido uma intervenção do Popeye, sob os auspícios do Conselho de Segurança, é claro.

Bom, no Irã 20 de março é feriado nacional. Em 20 de março de 1951, Mohammed Mossadegh nacionalizou a indústria de petróleo iraniana.

Mossadegh era um septuagenário aristocrata iraniano educado em Direito Constitucional na Europa e vinha participando da política local há muito tempo. Tomou parte na revolta constitucionalista de 1906 (!!!) que instaurou uma monarquia constitucional no Irã e acabou abrindo o caminho para dinastia Pahlavi. Padecia de algumas contradições que não são estranhas a nós brasileiros, como defender um regime republicano e democrático enquanto mantinha mais de 400 servos em petição de miséria em suas fazendas. O fato é que Mossadegh vinha batendo na tecla da soberania nacional sobre os recusros naturais do Irã, ou seja, os campos de petróleo controlados pela Anglo-Iranian Oil Company (AIOC), a companhia que acabaria mais tarde se tornando a PENEIRA conhecida como BP.

Provavelmente o único consenso na sempre complexa cena política iraniana era o ódio aos ingleses, cujo governo controlava 51% da AIOC, que, por sua vez, pagava menos de 30% de royalties ao Governo Iraniano sobre o que extraía do subsolo. A título de exemplo, a vizinha Arábia Saudita fechara em 1950 um contrato segundo o qual receberia a 50% de royalties sobre o que as companhias americanas tiravam do seu desertão.

PROPELIDO por essa SANHA nacionalista, Mossadegh foi eleito Primeiro-Ministro no início de 1951, já que seu antecessor, Razmara, havia sido ASSASSINADO por ser considerado “um lacaio da Grã-Bretanha” . Não querendo correr riscos, Mossadegh tratou logo de propor a nacionalização do petróleo como o primeiro ato do seu governo. O parlamento votou em massa a favor da proposta, que virou lei em 20 de março.

A partir daí, o enredo vira tão ROCAMBOLESCO que me falta tempo e espaço pra deslindar tudo. Sugiro, contudo, a leitura de “Todos os Homens do Xá”, do jornalista americano Stephen Kinzer, que narra a história de maneira empolgante, ainda que com um certo exagero hollywoodiano, como é de praxe entre seus compatriotas. Pra encurtar, dá pra dizer que, em 1953, o próprio xá Mohammed Reza Pahlavi fica com medo do poder que Mossadegh vinha acumulando que foge com o rabo entre as pernas pra Roma. Quem acaba salvando a pele do soberano é o agente da CIA Kermit Roosevelt que, temendo que o Irã seguisse os vizinhos Armênia e Azerbaijão pra baixo da cortina de ferro,  articula, ainda que de forma um tanto BISONHA, o primeiro golpe de Estado da história da famigerada agência, derrubando Mossadegh e trazendo o xá de volta. Seu reinado ainda duraria mais 26 anos , até que o Aiatolá Khomeini e sua trupe o derrubem em 1979, instaurando um regime francamente HOSTIL aos EUA, estando os iranianos já ESCALDADOS pela descarada intervenção de 1953.

Na época, a decisão de Mossadegh de PEITAR o Império Britânico gerou manifesta CELEUMA mundo afora, além de deixar bem claro que o tal império estava com os dias contados. Os britânicos e americanos TREMERAM com medo de que outros países petroleiros (Venezuela, Iraque, Kuaite) entrassem na dança e complicassem a vida deles.

Mossadegh na capa da TIME

Isso não impediu que Mossadegh fosse escolhido como homem do ano da revista TIME em 1952, sendo até hoje, creio eu, o único caso de um médio-oriental a figurar nessa galeria. Não dá pra deixar de pensar que os eventos de Teerã em 1951-53 inspiraram um certo baixinho de São Borja a sair gritando de quem era o petróleo e fundar a hoje mastodôndica Petrobras, atrás de cujo butim pré-salgado Obama veio torcer a língua pra falar algumas palavras em Português. O Japão teve que se encher de usinas nucleares como as de Fukushima porque logo sacou que comprar petróleo extraído de países politicamente instáveis (quase todos os que tem algum) não era a melhor idéia pra garantir segurança energética. A Líbia de Kadafi e seu mentor egípcio Gamal Nasser talvez não tivessem existido da forma como conhecemos se alguém não tivesse se disposto a botar o pau na mesa na hora de lidar com as grandes companhias de petróleo anglo-americanas.

Não quero nem posso entrar nos detalhes da negociação, mas queria deixar claro que não acho necessariamente BACANA sair nacionalizando qualquer coisa de qualquer jeito. Por mais que os termos dos contratos britânicos fossem meio injustos, eles realmente CRIARAM a indústria do petróleo no Irã, achando e perfurando poços, construindo portos e tanques, buscando mercados pros produtos derivados e instalando a gigantesca refinaria de Abadan (uma ilha mixuruca no Golfo Pérsico), que continua na ativa até hoje, se bobear com muitas das peças que os ingleses lá colocaram.

PS: Tive que publicar o post no dia 21 porque minha casa AINDA tá sem internet. blergh!

Articles

Eu taroofo, tu taroofas

In Uncategorized on 7 de março de 2011 por Ramiro Breitbach Marcado: ,

O “taroof” ( ou ta’rouf, entre outras grafias) é um conceito dos mais importantes para compreender a cultura persa. É uma mistura de polidez, elegância, humildade, cerimônia e simples forçação de barra.

Apesar de dirigir que nem malucos (assunto pra outro momento) e se esbararem na rua o tempo inteiro, os iranianos gostam de se definir como um povo sofisticado, herdeiros de uma civilização milenar, por oposição aos “mascates e beduínos” da Península Arábica. E o taroof está na base dessa identidade.

Todas as relações socias são imantadas pelo espírito taroofento. Por exemplo, ao cumprimentar qualquer pessoa, ainda que desconhecida, o “olá” (salam) deve ser seguido de uma frase que significa “espero que você não esteja cansado”. Como todo cumprimento protocolar ,  é completamente vazio de sentido. Já ouvi esse papo ao fim de uma partida de futebol, quando estavam todos suando em bicas.

Entre os iranianos, é normal que um comerciante ou prestador de serviço , ao ser perguntado quanto deu a conta, diga que “é um presente” ou “quanto você achar que vale”. É de praxe contestar pelo menos três vezes antes de finalmente pagar pela mercadoria. CLARO que eles não fazem isso em inglês, pq sabem que os estrangeiros dariam calote a doidado.

As novas gerações são menos taroofentas que os mais velhos.  Ouvi dizer que há uns anos atrás era normal alguém dizer algo como “Se você cuspir no chão, eu nado com prazer”, o que eu imagino não devia acontecer todo dia.

Entre pessoas mais taroofentas, é normal haver uma pequena discussão sobre quem passará primero numa porta ou escada, um cedendo lugar ao outro.

Embora às vezes pareça exagerado, como todas as convenções sociais, acaba-se acostumando ao andar da carruagem. Afinal, poderia ser bem pior.