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Tochal strikes back

In Uncategorized on 17 de julho de 2011 by Ramiro Breitbach Marcado: , ,

Hoje, no aniversário de nascimento do Iman Mahdi, figura central no xiismo, resolvi me juntar ao aventureiro colega Rafael Leal e sua mulher Caroline e encarar a subida de Tochal, a parte da cordilheira do Alborz que fica aqui no norte de Teerã, a poucas quadras da minha casa. Sim, tem um teleféric, qu inclusive já havia pego no inverno e relatado nesse espaço, mas resolvi encararr o desafio e subir a montanha na canela.

Verdade seja dita que a vista é muito bonita, e num dia claro, com a maioria dos carros cinquagenários buscando as belezas (??) do Mar Cáspio, dá pra ver a metrópole em toda sua

Terá solução pruma cidade desse tamanho?

gargantuosidade (acabei de inventar a palavra). Na subida da montanha, ocorre uma flexibilização, ainda que informal, do código de vestimenta islâmico: algumas mulheres tiram o hijab (véu), o equivalente iraniano do fio dental e não poucos rapazes andam sem camisa, não raro exibindo despudoradamente as adiposidades acumuladas por alguns kebabs a mais.

 

Mas acho queo principal resultado da coisa toda foi renovar meu fervor pelo lema “Less hiking. more Heineken”.

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Cuidado pra não derreter (Bandar Abbas e cercanias)

In Uncategorized on 5 de junho de 2011 by Ramiro Breitbach

Estive meio ausente, parte por preguiça e parte por que nem tudo o que aconteceu mereceria comentário nesse espaço.  O fato é que esse fim de semana, engordado pelo feriado por ocasião do aniversário da morte do Khomeini, fui com uns amigos conhecer o escaldante lado iraniano do Golfo Pérsico (não que o lado árabe também não o seja ).  Com o tempo, aprende-se a COMEÇAR a entender as difernças entre as diferentes partes do país. Aí vai um mapinha para que se possa entender melhor a localização das coisas. Falarei sobre a região em torno de Bandar Abbas, bem no sul, no FAMIGERADO Estreito de Hormuz:

O Estreito é tão famoso porque, nos 10 Km de largura dessa BOCADA,

Mapa do Irão. Desculpem não ter postado antes...

TODO DIA passam  16 milhões de barris de petróleo, o que representa 40% do transporte marítimo de petróleo DO MUNDO. É óbvio que isso torna a região altamente estratégica pra qualquer um que compra ou vende petróleo no Oriente Médio, ou seja, boa parte do Ocidente (incluindo o Brasil pré-salgado).

Para além das considerações econômicas e estratégicas, o lugar é muito interessante em si. Ao contrário de Isfahan, Shiraz ou Teerã, é um lugar onde não há turistas , ocidentais ao menos, então o nível de exploração e de serviços é bem menor. É também uma certa encruzilhada entre a cultura persa e iraniana (ferrenhamente xiita) e o mundo árabe (geralmente sunita). Mais detalhes sobre esse cisma religioso nos próximos capítulos. Há inclusive uma certa polêmica em função de uma proposta árabe, patrocinada pelos EUA, de rebatizar o Golfo Pérsico como Golfo Árabe, para não dar a impressão de que o Irã manda na região.

Bom, além de ser o principal porto do Irã, Bandar Abbas é MUITO quente. Ainda não está no auge do verão , mas as temperaturas atingiam facilmente 43 ou 44 graus. A situação é AGRAVADA pelo fato de não ser permitido na República Islâmica usar bermudas, quem dirá andar sem camisa. A situação dos homens ainda é um pouco menos dificil que a das mulheres, obrigadas a andar com o corpo todo coberto, não raro num abafante pano preto.

Ilha de Hormuz

Para chegar à pequena Ilha de Hormuz  é necessário pegar um barquinho muito mixuruca em Bandar Abbas e torcer pra essa porra não virar olê olê olá (o que pareceu uma possibilidade real).  É forçoso, porém, admitir que o mar do Golfo tem sua beleza. A população residente em Hormuz é bem pequena, já que a ilha não tem fonte de água potável e o calor é abrasador.  Não havia sequer um restaurante para comer algo, nem mesmo um sanduíche. Não era raro ver umas cabras dando sopa por aí.

Cabras

Mar em Hormuz

Companhia na jornada para Hormuz

Talvez a principal atração da ilha sejam as ruínas do forte Português que ali existiu até o ano de 1622. Os lusos usavam vários pontos do Golfo (Catar e Bahrein tb tinham fortificações) como entrepostos para o comércio com as índias. Uma das mercadorias que os Portugueses introduziram na região (e no ocidente) foi a laranja, de origem asiática, que até hoje é chamada em persa de پرتقال (portheghal), em recordação ao império português de outrora. Esse contato também acabou influenciando os lusos, que adotaram algumas palavras persas em seu vocabulário, entre elas a supostamente intraduzível Saudade, que , ao que parece, viria do persa Sahdedadh (سردرد), que significa “dor de cabeça”.

A julgar pelo estado de conservação da fortificação, os portugueses do século XVI adoravam garrafas plásticas de Coca Cola genérica e embalagens de salgadinhos radioativos. É uma pena que esteja tudo tão mal cuidado, porque o lugar é bem bonito:

Ruínas Lusas

Cabras, novamente

 

 

 

 

 

 

 

Pra que não se diga que estou inentando

tudo isso, coloco aí as in

Portugues pra persa ver

scrições em português do longínquo ano de 1580, antes que os lusos se dessem conta de que o Brasil era a grande barbada:

Pra quem se interessar, há mais fotos no flickr ali em cima.

 

 

 

 

 

 

Qeshm

Queshm é essa ilha aí colada no lado iraniano do Golfo

A Ilha de Qeshm é um pouco maior e mais habitada, é pra ser um lugar de turismo e diversão, uma espécie de resposta iraniana a Cancun. Claro que sem bebida alcóolica e mulher de biquini (ou homens de sunga, pra quem prefere) , as opções de diversão se resumem a um banana boat do tempo sdo xá e jogos de damas. Além dos camelos selvagens que ficam rondando pela ilha, o que há de notável são os inacreditáveis mangues salgados do local.

Sim, a água é salgada.

Manguetown

Camelódromo

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Doha e os peões indianos

In Uncategorized on 16 de maio de 2011 by Ramiro Breitbach

Estive viajando um tempo, por isso o presente blog ressentiu-se de minha constante falta de atualizações. Esse fim de semana fui visitar uns amigos do peito no Estado do Catar, do outro lado do Golfo Pérsico, cheia de arranha-céus e outras obras petrofaraônica, mas sem muita gente pra morar ou trabalhara neles.

Vista do Skyline do Doha, entre os vidros empoeirados do Museu

O Catar tem cerca de 2 milhões de habitantes, dos quais por volta de 300 mil são cataris autóctones, que há cerca de 40 anos eram quase todos beduínos no meio do deserto e hoje andam TODOS de Toyota Land Cruiser e possuem casarões de veraneio em Marbella. O resto da população fica dividido entre expatriados ocidentais que vão pra lá atrás dos petrodólares advindos das indústrias da construção, defesa (tem grande base americana) e , é claro, petróleo. A outra e maior parte dos estrangeiros é constituída por trabalhadores pouco qualificados da Índia (me disseram ser perto de 500 mil) e das Filipinas, basicamente. O Governo catari, no começo, tentou oferecer emprego aos árabes mais pobres, tipo Palestinos e Iemenitas, mas logo eles se deram conta que estavam importando, além da mão-de-obra, conflitos sectários construídos ao longo de séculos e de solução nada simples. A partir daí, resolveram trazer somente trabalhadores de preferência muçulmanos (norte da Índia e Paquistão), mas não mais árabes.

Essa massa de trabalhadores pouco qualificados (especialmente pedreiros que alimentam o boom da construção em todo o Golfo) trabalham jornadas extenuantes sobre um sol de aproximadamente 45 graus (sem exagero) e tem um só dia de folga por semana: a Sexta-Feira, dia sagrado para os muçulmanos.  Num lugar onde o álcool não é permitido e a temperatura atinge marcas tórridas, a grande opção de lazer são os onipresentes shopping centers, cheio de imitações kitsch de monumentos ocidentais (não muito diferente da Barra da Tijuca) e cinemas que só passam filme do Will Smith e da Julia Roberts cortados.

Acontece, porém, que a sexta-feira nos Shoppings é declarado Familiy Day, na verdade uma desculpa pra não permitir que os indianos e filipinos (solteiros, em sua esmagadora maioria)  entrem nos shoppings. É uma versão um pouco menos sutil dos estratagemas dos bem-pensantes de Higienópolis para manter a “gente diferenciada”afastada de suas casas. Assim sendo, os operários indianos ficam vagando pela cidade na sexta-feira, já que os cubículos em que eles moram não têm ar-condicionado. Ficam como hordas de fantasmas urbanos sem muita serventia uma vez que tenham cumprido suas tarefas. É mais fácil ver uma vitória-régia entre eles do que alguma mulher no meio dessas nuvens humanas.

Pra quem mora no Irã, o Catar tem uma atitude até bem liberal em relação a costumes. Álcool é proibido, mas pode-se beber em bares de hotel (deve ter uns 5 ou 6 na cidade inteira) e não é raro ver árabes com a roupa branca e turbante sorvendo avidamente uma cerveja.

As mulheres ocidentais também são livres de qualquer restrição relativa à indumentária.

Museu de Arte Islâmica de Doha.

Os indianos na prisão do ócio de sexta-feira

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Terrorismo no dos outros é o que mesmo?

In Uncategorized on 8 de abril de 2011 by Ramiro Breitbach

Ouvi muitos comentários preocupados quando anunciei minha escolha de servir no Irã, uma vez que seria um país cheio de TERRORISTAS.

Não comentarei o que pode ser considerado terrorismo nem o uso que a repúplica islâmica possa vir a fazer de tais expedientes. Só gostaria de registrar que, nesse fim de semana que estou passando em LONDRES, berço da moderna democracia e dos Direitos Humanos, a ameaça de atos violentos afetando grandes contingentes populacionais me pareceu INFINITAMENTE maior do que em Teerã.

Acabo de ser CONVIDADO A ME RETIRAR, junto com os milhares de demais passageiros,   de uma das principais estações do metrô londrino (Oxford Circus) sobre a qual se abatia uma EMERGÊNCIA muito mal explicada.

Considerando que a última vez que eu havia pisado na terra do príncipe William havia sido em 6 de julho de 2005,  só posso achar que essa cidade tem algo pessoal contra mim. Talves o incidente de hoje não seja nada, como um rato que tenha se enfiado no meio dos trilhos do metrô, mas não impede que a incerteza seguida de perto pelo TERROR que se via estampado na cara dos viajantes fosse bem real.

Se eu mandasse alguma coisa no Governo de Sua Majestade, faria questãode manter eu mesmo longe das fronteiras so Reino Unido nas vésperas do casamento real

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20 de março: onde você esteve?

In Uncategorized on 21 de março de 2011 by Ramiro Breitbach

Hoje, 20 de março, no Brasil, é o dia do GRANDE discurso de Barck Obama ao “povo brasileiro” no teatro municipal. Qual o “povo brasileiro” que vai estar dentro do Teatro Municipal e entende um discurso em inglês não é assunto para agora. Na Líbia, é o primeiro dia de ataques da tal da coalizão que pretende proteger o povo líbio do Kadafi e chegou atirando bomba de forma não muito cirúrgica. No Japão, é dia de tentar acalmar o reator nuclear e tirar do mercado o leite e o espinafre radioativo, ainda que alguns tenham defendido uma intervenção do Popeye, sob os auspícios do Conselho de Segurança, é claro.

Bom, no Irã 20 de março é feriado nacional. Em 20 de março de 1951, Mohammed Mossadegh nacionalizou a indústria de petróleo iraniana.

Mossadegh era um septuagenário aristocrata iraniano educado em Direito Constitucional na Europa e vinha participando da política local há muito tempo. Tomou parte na revolta constitucionalista de 1906 (!!!) que instaurou uma monarquia constitucional no Irã e acabou abrindo o caminho para dinastia Pahlavi. Padecia de algumas contradições que não são estranhas a nós brasileiros, como defender um regime republicano e democrático enquanto mantinha mais de 400 servos em petição de miséria em suas fazendas. O fato é que Mossadegh vinha batendo na tecla da soberania nacional sobre os recusros naturais do Irã, ou seja, os campos de petróleo controlados pela Anglo-Iranian Oil Company (AIOC), a companhia que acabaria mais tarde se tornando a PENEIRA conhecida como BP.

Provavelmente o único consenso na sempre complexa cena política iraniana era o ódio aos ingleses, cujo governo controlava 51% da AIOC, que, por sua vez, pagava menos de 30% de royalties ao Governo Iraniano sobre o que extraía do subsolo. A título de exemplo, a vizinha Arábia Saudita fechara em 1950 um contrato segundo o qual receberia a 50% de royalties sobre o que as companhias americanas tiravam do seu desertão.

PROPELIDO por essa SANHA nacionalista, Mossadegh foi eleito Primeiro-Ministro no início de 1951, já que seu antecessor, Razmara, havia sido ASSASSINADO por ser considerado “um lacaio da Grã-Bretanha” . Não querendo correr riscos, Mossadegh tratou logo de propor a nacionalização do petróleo como o primeiro ato do seu governo. O parlamento votou em massa a favor da proposta, que virou lei em 20 de março.

A partir daí, o enredo vira tão ROCAMBOLESCO que me falta tempo e espaço pra deslindar tudo. Sugiro, contudo, a leitura de “Todos os Homens do Xá”, do jornalista americano Stephen Kinzer, que narra a história de maneira empolgante, ainda que com um certo exagero hollywoodiano, como é de praxe entre seus compatriotas. Pra encurtar, dá pra dizer que, em 1953, o próprio xá Mohammed Reza Pahlavi fica com medo do poder que Mossadegh vinha acumulando que foge com o rabo entre as pernas pra Roma. Quem acaba salvando a pele do soberano é o agente da CIA Kermit Roosevelt que, temendo que o Irã seguisse os vizinhos Armênia e Azerbaijão pra baixo da cortina de ferro,  articula, ainda que de forma um tanto BISONHA, o primeiro golpe de Estado da história da famigerada agência, derrubando Mossadegh e trazendo o xá de volta. Seu reinado ainda duraria mais 26 anos , até que o Aiatolá Khomeini e sua trupe o derrubem em 1979, instaurando um regime francamente HOSTIL aos EUA, estando os iranianos já ESCALDADOS pela descarada intervenção de 1953.

Na época, a decisão de Mossadegh de PEITAR o Império Britânico gerou manifesta CELEUMA mundo afora, além de deixar bem claro que o tal império estava com os dias contados. Os britânicos e americanos TREMERAM com medo de que outros países petroleiros (Venezuela, Iraque, Kuaite) entrassem na dança e complicassem a vida deles.

Mossadegh na capa da TIME

Isso não impediu que Mossadegh fosse escolhido como homem do ano da revista TIME em 1952, sendo até hoje, creio eu, o único caso de um médio-oriental a figurar nessa galeria. Não dá pra deixar de pensar que os eventos de Teerã em 1951-53 inspiraram um certo baixinho de São Borja a sair gritando de quem era o petróleo e fundar a hoje mastodôndica Petrobras, atrás de cujo butim pré-salgado Obama veio torcer a língua pra falar algumas palavras em Português. O Japão teve que se encher de usinas nucleares como as de Fukushima porque logo sacou que comprar petróleo extraído de países politicamente instáveis (quase todos os que tem algum) não era a melhor idéia pra garantir segurança energética. A Líbia de Kadafi e seu mentor egípcio Gamal Nasser talvez não tivessem existido da forma como conhecemos se alguém não tivesse se disposto a botar o pau na mesa na hora de lidar com as grandes companhias de petróleo anglo-americanas.

Não quero nem posso entrar nos detalhes da negociação, mas queria deixar claro que não acho necessariamente BACANA sair nacionalizando qualquer coisa de qualquer jeito. Por mais que os termos dos contratos britânicos fossem meio injustos, eles realmente CRIARAM a indústria do petróleo no Irã, achando e perfurando poços, construindo portos e tanques, buscando mercados pros produtos derivados e instalando a gigantesca refinaria de Abadan (uma ilha mixuruca no Golfo Pérsico), que continua na ativa até hoje, se bobear com muitas das peças que os ingleses lá colocaram.

PS: Tive que publicar o post no dia 21 porque minha casa AINDA tá sem internet. blergh!

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Eu taroofo, tu taroofas

In Uncategorized on 7 de março de 2011 by Ramiro Breitbach Marcado: ,

O “taroof” ( ou ta’rouf, entre outras grafias) é um conceito dos mais importantes para compreender a cultura persa. É uma mistura de polidez, elegância, humildade, cerimônia e simples forçação de barra.

Apesar de dirigir que nem malucos (assunto pra outro momento) e se esbararem na rua o tempo inteiro, os iranianos gostam de se definir como um povo sofisticado, herdeiros de uma civilização milenar, por oposição aos “mascates e beduínos” da Península Arábica. E o taroof está na base dessa identidade.

Todas as relações socias são imantadas pelo espírito taroofento. Por exemplo, ao cumprimentar qualquer pessoa, ainda que desconhecida, o “olá” (salam) deve ser seguido de uma frase que significa “espero que você não esteja cansado”. Como todo cumprimento protocolar ,  é completamente vazio de sentido. Já ouvi esse papo ao fim de uma partida de futebol, quando estavam todos suando em bicas.

Entre os iranianos, é normal que um comerciante ou prestador de serviço , ao ser perguntado quanto deu a conta, diga que “é um presente” ou “quanto você achar que vale”. É de praxe contestar pelo menos três vezes antes de finalmente pagar pela mercadoria. CLARO que eles não fazem isso em inglês, pq sabem que os estrangeiros dariam calote a doidado.

As novas gerações são menos taroofentas que os mais velhos.  Ouvi dizer que há uns anos atrás era normal alguém dizer algo como “Se você cuspir no chão, eu nado com prazer”, o que eu imagino não devia acontecer todo dia.

Entre pessoas mais taroofentas, é normal haver uma pequena discussão sobre quem passará primero numa porta ou escada, um cedendo lugar ao outro.

Embora às vezes pareça exagerado, como todas as convenções sociais, acaba-se acostumando ao andar da carruagem. Afinal, poderia ser bem pior.

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Nowruz, no work

In Uncategorized on 24 de fevereiro de 2011 by Ramiro Breitbach

Os iranianos estão começando a entrar no “estado de Nowruz”. Nowruz (نوروز, pra quem não tem obrigação de saber, é o ano novo do calendário persa, que é completamente diferente do nosso, que, afinal de contas é baseado em Jesus,  aqui só mais um barbudo pretensioso,  mais ou menos na mesma categoria do ZZ top ou do Lula.

O “reveillon”de verdade é o dia que nós conhecemos como 21 de março, que para os seguidores do calendário persa (além do Irã, o azerbaijão e outros istãos,  e parte do noroeste chinês) marcará o início do ano da glória de 1390. Muitas pessoas mais simples aqui não tem ideia do que seja janeiro, março , fevereiro e seus amiguinhos. Se alguém disser-lhes que estamos em 2011, podem querer te mandar pro hospício ou pior, pra polícia.

Parece que a instituição do Nowruz data do tempo do zoroastrismo, religião dominante no Irã antes que o Islã chegasse passando o rodo, por volta do século VII DC.

De qualquer maneira, não deixa de ser interessante pensar que algumas datas cercadas de cermiônias no ocidente, como a fatídica virada do milênio (a propósito, nem em época de copa do mundo me lembro de tanta baboseira sendo veiculada na TV) foram dias normais por aqui, tipo uma quarta-feira 13 de maio. A maioria dos iranianos deve ter comido seu kebab e fumado seu narguilé como um dia qualquer.

Divagações à parte, o Nowruz não é verdadeiramente uma data, mas um estado de espírito, como uma nuvem que paira sobre o calendário. Nessa época, que já está começando, o comércio e os serviços são reduzidos ao mínimo dos mínimos. O horário de trabalho , que já não é exatamente draconiano (a maioria das pessoas ai pra casa por volta das 14h30, durante o ano) vira uma verdadeira piada, pra funcionário público brasileiro nenhum botar defeito.

Também é uma época de viajar. Muitos vão ver a família no interior ou esta vem a Teerã parasitar os parentes urbanizados.  Porém, quem tem um pouco mais de grana, viaja mesmo pra fora do país. O destino mais popular é a Armênia, vizinha do Irã ao norte, onde, segundo relatos a mim chegados, não faltam iranianas de minissaia e iranianos vomitando de bêbados pelos cantos, e vice-versa. Fiquei sabendo também que, esse ano (nao sei se é tradição) vários cantores persas banidos pelo regime irão apresentar-se na Armênia durante o Nowruz , como a tal de Googoosh, uma mistura de Elis Regina com Nara Leão deles.

Este fim de semana deslocar-me-ei até o emirado de Dubai. Espero voltar com novidades da Barra da Tijuca do Golfo Pérsico. Até lá

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Volta

In Uncategorized on 17 de fevereiro de 2011 by Ramiro Breitbach Marcado: , , ,

Peço desculpas aos amigos pela ausência de posts nos últimos dias. Um pouco foi pura preguiça. Muita coisa aconteceu nesses dias. Me mudei pro meu novo apartamento, caiu o Mubarak, Berlusconi será processado, o Inter empatou com o Emelec, Ronaldo se aposentou e Sarney, não.

Enquanto isso, aqui no Irã, o governo apertou a censura à já censurada internet, numa espécie de “cyber AI-5”. Além dos troublemakers habituais, como este WordPress, Facebook, tuíter e seus similares, foram bloqueados também saites meio arbitrários como Globoesporte, Estado de S. Paulo e o portal Terra.

Pelo menos hoje tudo na internet iraniana parece estar de volta ao normal, o que quer que isso signifique.

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Churrasquinho de gato persa

In Uncategorized on 4 de fevereiro de 2011 by Ramiro Breitbach Marcado: , ,

Como é de conhecimento geral, a gastronomia é sempre um fator importante  pra conhecer um país e como a sociedade funciona. Aqui não é exceção. Vale mencionar que, como tudo mais na vida no Irã, as esferas públicas e privadas são bem demarcadas e os costumes são bem diferentes em cada uma delas.

Como cheguei há pouco e a maioria dos meus amigos são estrangeiros também, não tenha grande experiência sobre como funciona um lar iraniano de verdade. Minha experiência gastronômica está meio que restrita a restaurantes.

Nesse campo, o Líder Supremo (para usar uma expressão cara ao regime) é o kebab. Praticamente qualquer birosca serve só isso ou alternativas pouco apetitosas como pizza amanhecida e hamburguer de carne de origem duvidosa (provavelmente o Brasil).

Ao contrário da Grécia e da Turquia, onde a regra é aquele tronco de carne exposto às vicissitudes urbanas, aqui o kebab funciona na base do espetinho, como esse aqui no Restaurante do راد (/rad/), aqui perto da Embaixada:

 

É bem difíil achar algo muito diferente disso pra comer no Irã, mas não é ruim

A carne, via de regra, é de cordeiro, já que boi geralmente é importado e um bom corte é bem caro. Geralmente, o kebab é acompanhado de UMA MONTANHA de arroz, acompanhado de um bolinho de… arroz, configurando assim o CLÁSSICO ویولن سل کباب/celo kebab/, que ocupa um lugar nos corações e mentes iranianos próximo à feijoada no Brasil

Essa bacia de arroz é pra ser pra uma pessoa

 

Gosto bastante do kebab daqui, porque sou um grande fã de carne de cordeiro, mas admito que às vezes enche cansa um pouco. Em função das sanções e das PECULIARIDADES políticas do país, não tem tantos restaurantes de cozinha estrangeira em Teerã e os que tem, com exceção dos da região (árabes, indianos) são tocados por iranianos. Mais ou menos como em Brasília, onde só tem sushi man nordestino.

Outro capítulo especial são os menus em inglês. Não existe uma convenção para a transliteração do alfabeto arábico pro romano, então é meio salve-se quem puder. Por exemplo, o nome do aiatolá que no Brasil se escreve Khomeini, em espanhol é Jomeini. Assim como o emirado do golfo é escrito ora Catar, ora Qatar.

Enfim, essa é (eu acho) a explicação para as coisas que a gente vê escrito por aqui em inglês, que variam do cômico ao jocoso:

 

Só pérolas

 

Traduzindo: Tournedos, não tenho idéia, Filé Chateaubriand, e por aí vai

Nem adianta perguntar pro garçom o que vem em cada prato que a única coisa que se entende é o gestual, o que pode gerar situações meio cômicas, como o garçom imitar uma galinha no meio do restô. Ah, claro, tudo isso era kebab, independentemente do nome.

Não posso deixar de mencionar a quase escatológica opção num café de Isfahan:

 

Se fosse no Brasil, alguem acha que teria "special banana milk"no cardápio?

Apesar da bizarria, as coisas no supermercado são, em geral, bem boas, menos os embutidos, já que, como porco é proibido, especula-se que sejam feitos com carne de afegãos. Mas isso é assunto pra outro post.

 

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Shiraz e Persépolis pela boca dos gagos

In Uncategorized on 30 de janeiro de 2011 by Ramiro Breitbach Marcado: , , , , , ,

Esse fim de semana tomei a coragem que precisava para embarcar num 727 da Iran Air (sim, o mesmo modelo que caiu há algumas semanas atrás) e ir até Shiraz, capital do Reino da Pérsia durante a dinastia Zand (1750-1781) e a sexta cidade mais populosa do país.  Há cerca de 50 km de Shiraz, ficam as ruínas de Persépolis, sítio cerimonial da dinastia dos Aquemênidas (550-330 AC), à qual pertenceram os monarcas mais famosos do Império Persa, como Dário, Xerxes, Ciro e o barroquizante Artaxerxes. Por essas e por outras, Persépoilis é provavelmente a atração turística mais popular do Irã, que sempre aparece na lista dos “must see”de qualquer guia de viagem.

Shiraz , a cidade em si, não tem nada demais, fora o grande palácio de Karim Khan Zand, que domina parte do centro da cidade. De resto, é uma cidade iraniana tradicional, com bazar, mesquitas, mulheres de chador e carros alegóricos:

Realmente não consegui entender esse carro alegórico aí no meio da rua

Bem, o palácio do Karim Khan, como eu disse, domina o centro da cidade e é um prédio bem bonito e até de algum bom gosto, ao contrário das placas em broken english que adornam o local. Seguem algumas fotos das duas tendências:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Outro ponto tradicional da turistada em Shiraz é o túmulo do poeta Hafez, um shirazi do século XIV cujos versos todos iranianos sabem de cor e em todas as casas tem uma cópia do livro dele Divan (sem relação com a Martha Medeiros). O paralelo mais próximo que eu vejo no ocidente é com Shakespeare, mas a devoção dos iranianos por esse Hafez é algo mais próximo de um santo/estrela de rock do que o tipo de atenção que os poetas costumam receber. Não faltava gente beijando o chão com os versos dele escritos ou se lavando em lágirmas por estar perto do corpo dele. Não fotografei essas manifestaçoes mais exaltadas porque não acho justo, mas boto aí algumas fotos do monumento:

Devido à completa falta do que fazer à noite (a maioria das mesquitas/atraçoes turísticas fecha por volta das 18h), resolvemos nos AVENTURAR num cinema iraniano. Em geral, a programação é composta só de filmes nacionais ou no máximo, algum filme de Hollywood ALTAMENTE CENSURADO. Essa é a equivalente Shirazi da Cinelândia:

 

O filme era um melodrama em farsi sobre uma menina que tinha um casamento arranjado. O que mais me surpreeendeu foi a minha capacidade de ver o filme até o fim, apesar de entender somente as expressões mais básicas, como “oi” e “tchau”. Ainda assim, deu pra compreender as linhas gerais da história.

 

 

 

 

 

 

No dia seguinte, estava marcado ir a Persépolis. Ligamos pruma agência de turismo indicada no guia de viagem como de confiança. Com efeito, o guia chegou pontualmente e falava um bom inglês, porém era incontrolavelmente GAGO, o que evidentemente prejudicou um pouco sua performance. Enfim, não impede que Persépolis seja realmente um lugar deslumbrante, na minha opinião O lugar a ser visitado no Irã.

Segundo o gago guia nos explicou, Persépolis não era propriamente uma capital administrativa, mas sim um lugar para a celebraçao no nowruz, ou ano novo persa, que permanece até hoje no dia 21 de março do nosso calendário. Nessa ocasião, representantes de todos os povos súditos do império (chegaram a ser 33 sob Ciro) traziam um presente de sua terra ao Imperador. Por isso a entrada do lugar é conhecida como o “Portão das Nações”, uma grande sala de espera para ser recebido pelo imperador:Gate of all nations

Persépolis está tuda em ruínas não só porque tem 2500 anos de idade, mas tb porque o Alexandre queimou tudo até a ultima ponta quando passou por ali em 330 AC. Dizem que as tropas deles estavam furiosas pelo saque que os persas fizeram a atenas em 480 AC, então não deixaram pedra sobre pedra.

Este é um símbolo zoroastrista (religião do império antes do islã) que se vê não só nas lojas de souvenirs pra turista, mas tb em muitos carros e camisetas dos iranianos:

Por sinal, eles adoram ressaltar os vínculos do que hoje conhecemos como Irã com o império persa de Ciro, Dario e cia, do que é exemplo a nababesca festa que o xá Mohammed Reza Pahlavi deu pra comemorar 2500 anos da monarquia persa em 1971, em Persépolis e Pasárgada, da qual permanecem vestígios até hoje no lugar. Há quem debata essa vinculação direta, já que entre os aquemênidas e os Pahlavi tiveram quinze dinastias e o país mudou de religião no caminho. Na verdade, os fatos não importam tanto assim, o que importa é que os iranianos se consideram descendentes de um grande império, e não um paizinho de terceira categoria. Talvez por isso eles nunca tenham sido (formalmente) colonizados por ninguém e não estão muito dispostos a seguir ordens das potências ocidentais. O imbróglio do programa nuclear é mais um sintoma dessa construção.